Persona Blues

Neste espaço reproduzimos entrevistas realizadas com a banda em:

Para entrevistas com demais músicos da Blues & Beer, basta clicar nos links que estão em seus nomes na página História.
Para conhecer alguns momentos marcantes da banda, veja a página Flashes.


Entrevista concedida em maio 2005 para a Revista Cover Guitarra
Tavinho Rangel
CG: Em que o álbum "Ressaca" se diferencia do primeiro trabalho "Até o último gole..." quanto à maturidade para escrever, montar arranjos e gravar?
Tavinho: Acredito que o novo álbum possui uma multiplicidade que o primeiro trabalho não teve. "Ressaca" é um disco de sonoridade plural. Essa é a grande diferença. Tivemos ao todo, onze músicos se alternando em diferentes instrumentos participando das gravações do CD. Piano, órgão Hammond, saxofones e percussão abriram novas possibilidades sonoras. No disco anterior eram apenas cinco músicos tocando os mesmos instrumentos em todas as faixas. Além disso, "Ressaca" nos permitiu um maior processo criativo, pois boa parte do repertório foi composta ou passou a ser executada exclusivamente para o disco. Elaboramos arranjos e ensaiamos especialmente para a gravação. Em "Ressaca" tivemos a oportunidade de regravar músicas consagradas de artistas nacionais de renome como Luiz Melodia e Roberto Frejat, o que nos possibilitou explorar novos caminhos interpretativos e, conseqüentemente, mostrar nosso maior amadurecimento em recriar arranjos, algo que não existiu no trabalho anterior. "Até o último gole..." foi um disco exclusivamente de canções autorais onde apenas transportamos o que fazíamos no palco para o estúdio, gravando músicas que já tocávamos há muito tempo da maneira exata como costumávamos tocá-las.

CG: Qual as influências na maneira de tocar e gravar que o saxofonista norte-americano Dave Sommers traz para a banda?
Tavinho: A presença de Dave nas gravações do CD, é um exemplo da pluralidade que comentei anteriormente. Ele traz de "berço" as influências do Jazz e do Blues, pois esta é sua linguagem musical de origem e isto somou bastante ao resultado sonoro que pretendíamos alcançar no disco, ao acrescentarmos os saxofones. Em "Outro olhar", uma música em que criamos o arranjo ao longo das gravações, eu lhe pedi algo que soasse noturno e melancólico como Chet Baker, e ele nos deu aquele fraseado "cool jazz" que se ouve no solo final da faixa. Em "Sem final feliz", um blues de arranjo tradicional, queríamos encorpar o som, e ele prontamente fez os contracantos usando o sax barítono, o que deixou a banda quase com cara de "Big Band". Esse intercâmbio de idéias e sons aconteceu de modo fluente e natural ao longo de todas as sessões de gravação, onde ficamos bem à vontade, não somente com Dave, mas também com todos os demais músicos que participaram de "Ressaca".

CG: Quais os guitarristas que mais te influenciaram?
Tavinho: Despertei para tocar o blues através dos discos iniciais do Fleetwood Mac, logo tenho Peter Green como uma referência fundamental. Clapton e BB King também são unanimidades pois divulgaram este gênero em sua amplitude mais popular. Contudo, eu também sou particularmente adepto do som de semi-acústicas e de sonoridades mais clássicas como T Bone Walker e Lowell Fullson.

CG: Muitos pensaram que com o sucesso de bandas como o Blues Etílicos e Big Alambik, o mercado seria aberto para o Rock and Blues, porém isto não aconteceu. Por que você acha que outras bandas não conseguiram crescer e quais as dificuldades que a banda Blues & Beer encontra, por gravar um disco independente?
Tavinho: Com a escassez de espaços de atuação e de divulgação ao longo da última década, ficou difícil manter as portas do mercado abertas, e isto afetou indiscriminadamente todos os artistas, ainda mais num momento em que outros gêneros e modismos praticamente monopolizaram a grande mídia a partir de meados dos anos 90. Nós ficamos na contra-mão dos acontecimentos, insistimos na tentativa de reeditar o "boom" carioca de blues, apoiando e participando de eventos e festivais alternativos como o "Blues para os nobres" ( I, II, III, IV e V ) e o "Miller Time & Blues" ( I e II ), organizados pela produtora Cláudia Rejane da Diskblues, que muito contribuiram para a renovação do cenário. Acompanhamos e apoiamos de perto, o surgimento de novas bandas e de um novo circuito de shows. Mas a crise econômica e o aumento da violência afetaram bastante a vida noturna carioca. As dificuldades aumentaram, várias casas fecharam e muitas bandas talentosas não resistiram. A Blues & Beer se manteve na estrada, mesmo que trilhando caminhos independentes. Gravar um disco independente proporciona ao artista realizar um trabalho de qualidade desvinculado dos grandes modismos. Acredito que para a Blues & Beer e para a maioria dos independentes, a grande dificuldade ainda é a distribuição em larga escala, ou seja, possuir locais onde o grande público possa encontrar e adquirir seus discos.

CG: Como você avalia o papel da Internet na divulgação dos trabalhos musicais? Vê como um fator positivo ou negativo?
Tavinho: É uma importante alternativa, principalmente para os artistas independentes. No geral, é algo que se apresenta como uma opção aos grandes monopólios da informação. Em particular, tem sido um canal muito útil para a divulgação de nosso trabalho. Nossa HP registra detalhadamente toda nossa trajetória ao longo destes dez anos de estrada e tem sido freqüentemente visitada. Costumamos receber e-mails de diferentes lugares, inclusive do exterior. Além disso, podemos até comercializar CD em lojas virtuais. Logo, é um fator positivo, tanto na divulgação quanto na distribuição do trabalho de qualquer artista hoje em dia.

CG: Muitas comparações?
Tavinho: É muito normal, pois no business da música, há uma tendência a querer se enquadrar e classificar tudo e todos, já que o mercado é segmentado e muito competitivo. Não vejo problema nisso, pois tenho consciência de estar realizando ao longo desta trajetória, um trabalho acima de tudo original, honesto e espontâneo, onde a música aparece sempre acima do modismo.

CG: Até que ponto "abrir" shows para artistas internacionais é bom?
Tavinho: Acredito que seja bom sempre que possamos nos apresentar em condições de igualdade em termos de equipamentos e de infra-estrutura técnica com as atrações internacionais. Quando em condições adversas, ainda assim pode ser bom e nos acrescentar um maior aprendizado e mais maturidade. Legal mesmo é quando podemos tocar junto com os artistas internacionais. Aí a linguagem da música é o canal de integração e a troca de vivências e culturas acontece na prática em toda a sua totalidade. Tivemos uma experiência assim com a banda holandesa Focus em um show nosso em São Paulo que se tornou inesquecível.

CG: Muitas comparações são feitas entre o blues que a Blues & Beer faz com o blues de Chicago e o blues britânico. Como você vê estas comparações?
Tavinho: Com certeza, são referências sonoras que ouvimos bastante, mas nossas influências não se limitam exclusivamente a estes estilos, nem estão vinculados a eles. No início, talvez, acho que nossas apresentações ao vivo tinham muito deste clima pois tocávamos nossas músicas mescladas com covers dos grandes clássicos e standards do gênero. Contudo, enquanto compositor sempre me senti livre para expressar os mais diferentes climas, e a partir de um dado momento, tentei enfatizar meu próprio material original e autoral. Acredito portanto, que estas comparações tenham feito sentido durante um determinado momento de nossa trajetória, e que possam até ter sido percebidas em algumas faixas do disco de estréia, mas que com certeza não estão mais atuais. "Ressaca" nos ampliou os horizontes de forma definitiva e irreversível.


Entrevista realizada pela Rede de Televisão NGT, em abril de 2007.


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